Onte li um artigo muito legal sobre o facebook na Folha de S. Paulo, é mais ou menos como me sinto em relação à essa rede social. Segue o texto:
Curti (não curti) isso
Marcelo Coelho
No Facebook, você se torna ao mesmo tempo a celebridade, o consumidor e o anunciante do produto
Ficar nesse frio debaixo do cobertor... Que delíííciaaa... Receita de bolo de cenoura. Curti isso. Mais uma foto do meu yorkshire Léo. Ele não é fofinho?
Clico para ver a foto (estou no Facebook, é claro). Há outras 20 fotos praticamente iguais: o cachorro em cima da almofada, o cachorro de lado no ladrilho, o cachorro de frente no sofá.
Depois de alguma resistência, deixei o velho Orkut e entrei no Facebook. É melhor, dizem. Entretanto tenho saudades do antigo site de relacionamento. Seu ar parado, suas cores gastas, seu mobiliário visual, tudo agora me lembra uma estação de trem centro-europeia, os croissants meio murchos na sua confeitaria de madeira e vidro, patinada de esperas e carvão.
Perto do Orkut -seus entroncamentos, seus guichês-, o Facebook é um aeroporto superlotado, onde avisos inúteis se repetem pelos alto-falantes e onde me sinto invariavelmente perdido. Nem a mais demente produção de spams na minha caixa de e-mail equivale à atividade que me chega pelo Facebook. Fico até aflito de ver pessoas postando de 15 em 15 minutos, durante toda a extensão do dia. A falta de fazer nunca deu tanto trabalho.
Peço desculpas aos amigos (tanto os que conheço quanto os que não conheço). Mas estou bloqueando muita gente. Faço exceção a alguns que se especializaram em mandar links. Uma notícia, um clipe, um filme: aí o Facebook cumpre a função, acho, de repercutir alguma coisa, de servir como atalho a algum outro meio de informação.
Mas chega de rabugice. No fim, mesmo os posts mais banais são boas notícias. As pessoas estão bem, estão vivas e parecem, numa média impressionante, bastante felizes.
Como tantos outros meios de comunicação, e o celular é o maior exemplo, o Facebook não funciona apenas, nem funciona a maior parte do tempo, para "comunicar" algum conteúdo. Sua função é dar sinais -sinais de existência. Aquilo que os especialistas chamam de "função fática" ("Você está aí?", "Você está me ouvindo?", "Oi! E aí?") preenche muito do que se transmite no Facebook.
Há uns 20 anos mais ou menos, escrevi na Ilustrada que, uma vez resolvido o problema da distribuição de riquezas, a grande desigualdade nas economias desenvolvidas parecia ser a da fama.
Muito poucos possuem toda a fama, enquanto a maioria sobrevive no anonimato. O Facebook resolve, aparentemente, essa injustiça. Qualquer pessoa, mesmo que não se torne uma celebridade no número de acessos e de amigos, pode ser tão banal como uma estrela pop. Fala de suas preferências, de sua rotina, da roupa que comprou, das marcas que prefere...
E aos poucos vai caindo a ficha, para mim, sobre a utilidade do Facebook. Entre as ferramentas do Facebook, existe aquela do polegar para cima, o "curti". Reparei que não existe, entretanto, a ferramenta oposta. O "não curti", que sem dúvida eu empregaria com relativa frequência, não está previsto.
Talvez seja melhor assim: muita briga se evita com essa omissão. Mas o ponto é importante. Curtir alguma coisa, com o polegar para cima, é algo que pertence ao repertório da publicidade. Cada vez que eu for a um restaurante, comprar determinado xampu, assistir a determinado filme, posso ir ao Facebook (se é que saí dele) e marcar com o dedão meu apoio ao tal produto.
Inventou-se, com isso, uma máquina irresistível. Com o YouTube, você produz, em tese, o conteúdo (cômico, trágico ou tolo) que na TV profissionais bem pagos se esfalfam para inventar.
Com o Facebook, você se encarrega da outra ponta do processo: além do conteúdo, você produz também o anúncio, aquilo que os publicitários quebram a cabeça para criar.
Você se torna ao mesmo tempo a celebridade, o consumidor e o anunciante. Minha paranoia se acelera. E se, no meio daqueles "amigos" que não conheço, existir algum testa de ferro, algum laranja de uma agência de publicidade ou de uma grande empresa, fazendo-me consumir o que não desejo?
A paranoia se dissipa: não, é conspiratório demais. Não há testas de ferro. Em seguida, a paranoia renasce com mais força: mas não estamos, todos nós, sendo testas de ferro, laranjas a serviço daquela coisa?
Bem que poderiam pagar para os membros mais produtivos do Facebook. Mas aí perderia a graça.
Folha de S. Paulo - Caderno ilustrada - 10 de Agosto de 2011
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